terça-feira, 18 de agosto de 2015

A Noite dos Descolados



Turma descolada
Bruna em um momento de descontração  

A Noite dos Descolados


Era um desses lugares da moda, bem moderninho, mistura de bar e restaurante,  decoração arrojada, e cozinha contemporânea , é claro.
Lá fomos nós, grupinho animado, curtir a quinta-feira.
Salão lotado, clientela eclética, maneira chique de dizer que tinha de tudo: os descolados, os formadores de opiniões, os deslumbrados, os moradores da vizinhança  e alguns passantes incautos, que viram o bochicho e entraram.
Precavidos, havíamos reservado. A hostess, com um modelito estilo saco a vácuo, escova progressiva nos cabelos e sorriso Colgate, nos encaminhou até nossa mesa, espremida entre outras, onde nos sentamos em cadeiras, bancos e pufes e afins, que faziam parte da decoração.
Logo veio um rapaz trajado com jeans rasgados, camisa branca para fora,  com tranças rastafari e piercings no nariz, orelhas e onde mais fosse possível pendurar qualquer tipo de argolinhas. Muito simpático, logo se apresentou: - “Oiéé! Sou o Rafa! Sou eu que vou cuidar de vocês nesta noite!”
Tal declaração nos tranquilizou, ao sabermos que estaríamos nas mãos de tão prestimosa criatura.
Rafa então distribuiu alguns cardápios e explicou: - “Trata-se de nossa carta de drinks especiais, criações de nosso mixologista.” (mixologista: anglicismo derivado do verbo em inglês mix, que substitui o antigo nome  também em inglês - Bar Tender).
De fato,  mistura é a palavra que define bem os drinks ali oferecidos, pois todos eram compostos por uma grande quantidade de ingredientes que incluíam frutas, especiarias, infusões, xaropes,  essências e o álcool para catalisar o resultado.
Escolhemos alguns e, confesso, achei todos com gosto muito semelhante, e me lembraram os antigos Drops Dulcora que chupava, em minha infância.
Rafa, que nos havia deixado a sós com os drinks, surge, vários minutos depois, com o cardápio de comida, também descolado e preparado pelo chefe que acaba de voltar da Europa, onde fez estágio nos melhores restaurantes, e que  está empenhado em valorizar a cozinha e os ingredientes brasileiros.
Tivemos uma certa dificuldade em fazer nossas escolhas, em primeiro lugar por que o restaurante era muito escuro e mal conseguíamos enxergar o que estava escrito. Com a ajuda dos sempre presentes IPhones, conseguimos iluminar o cardápio.
O segundo problema foi decidir o que escolher. Queríamos algo mais simples que combinasse com a proposta descontraída do lugar e com os drinks, por sua vez, muito elaborados. Infelizmente não pudemos contar com a ajuda de Rafa, pois este aparentemente estava às voltas com algum assunto gravíssimo lá dentro, que o impedia de comparecer ao salão.
Entre os feijões de Santarém, tucupi, pequi, sementes de quiabo fritas, espumas de cará e outros itens de nossa imensa terra, achamos um mix ( acho que é a palavra de ordem do momento) de tapas brasileiros, que nos pareceu razoável.
 E eis que volta o Rafa, um tanto quanto esbaforido, quiçá ansioso, e lá se foi com nossos pedidos. A essa altura, eu já havia desistido dos drinks e partido para um vinho branco básico, que consegui por meios extremos. Fui direto ao bar e pedi ao mixologista de plantão.
O salão não parava de encher. Havíamos desistido de conversar pois além da musica altíssima, a acústica do ambiente amplificava o vozerio  exaltado dos frequentadores, certamente muitos decibéis acima do suportável. Nos contentamos em observar as figuras que nos rodeavam.
 Flashes pipocavam a cada segundo.  As selfies bombavam. Whatssaps  a mil! Instagram! Facebook! Curtidas! Estávamos na nova Terra do Nunca, onde as pessoas nunca se encontram de verdade, apenas em realidades paralelas, eternamente separadas pelos Aplicativos e outros seres míticos, habitantes dos Universos Virtuais.
Más noticias! Rafa definitivamente nos abandonou! Para substitui-lo  apareceu Bruna, seu avatar feminino, de cabelos platinum com reflexos laranja, cortados por algum cabeleireiro surtado, após ingerir alguns litros de chá de cogumelos alucinógenos. Bruna, obviamente, também usava piercings, usava jeans rasgados e uma blusa que certamente pertencera a sua irmã caçula. As unhas e batom negros completavam o visual. Detalhe: Bruna pagava cofrinho...
A gentil Bruna finalmente nos trouxe o Mix, tão penosamente escolhido por nós.
Olhei o prato com exacerbada curiosidade e uma certa apreensão. Lá estavam os indefectíveis itens da moda: espumas, texturas, mini brotos. Ausentes: sabores, aromas, satisfação. Suspirei e me abstive de comentários. Naquele momento desejei ardentemente ser a Feiticeira, do  seriado de TV, que com uma mexidinha do nariz, transformaria aquele pandemônio num bistrô singelo, de toalhinhas xadrez , onde se pudesse usufruir de boa comida em boa companhia e em silencio...
Bruna, misteriosamente, também desapareceu, tragada pelo Buraco Negro que suga todos os garçons em hora de movimento. Pena... estávamos sentindo falta de seu visual discreto.
Acabamos por pagar a conta direto com  a moça emburrada do caixa, que não parou de reclamar de tudo e de todos, enquanto lidava com nossos cartões.
A noite sem fim  finalmente chegou ao fim. Em casa,  ainda zonza,  com os ouvidos doloridos pelo silencio ensurdecedor que normalmente sucede àquela barulheira infernal,  cheguei à seguinte conclusão: não sou descolada.
Eu estava exausta. Muita informação . De fato, muita informação.


PS: Faço neste momento um aparte. Gosto do Brasil e dos sabores tropicais. Gosto de regionalismo. Portanto, a cozinha Paraense tem o seu apogeu em Belém.  A Nordestina no Nordeste. Por que não podemos definir uma cozinha carioca com os ingredientes que crescem perto de nós?  Nada contra usar ingredientes de outras partes do pais. Mas cansa ver a copia da copia da copia de um original, há muito deturpado...

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

O Gosto das Palavras



O Gosto das Palavras

Sinto saudades de algumas palavras que, parece-me, caíram em desuso.
Outrora, alfarrábios, almejar, por conseguinte, soslaio, inexorável, chumbrega, outrossim,  tantas outras... Algumas engraçadas, outras poéticas, formais e por que não,  prosaicas e até bizarras: substantivos, verbos e advérbios, adjetivos, todas fizeram parte de minha infância e permanecem vivas em minha memoria.
Sinto falta do pretérito mais-que-perfeito, que por ser tão perfeito pertence aos romances de outrora, que li em minha adolescência, onde as cenas de amor tinham lugar em saraus e bailes, em que as damas flertavam com os cavalheiros com olhares de soslaio, e se abanavam  afogueadamente com seus leques.
Provavelmente são os primeiros acenos da idade - afinal somos todos destinados a envelhecer – mas acordei nostálgica, com a mente voltada para o passado.
Lembranças de infância e de outros tempos vieram me visitar, e com elas as palavras adormecidas que por lá permaneceram, guardadas em antigos alfarrábios, resquícios de trechos lidos, de fantasias imaginadas e de pensamentos ao acaso.
As palavras são nossas amigas. Mais do que isso: são a representação de tudo o que somos. São as nossas companheiras em noites insones, quando nossos pensamentos se misturam com nossos sonhos de forma inexorável, e vagam soltos e indomáveis. São nossas guias confiáveis,  quando almejamos galgar as trilhas precisas do raciocínio lógico.
Têm vida, assim como nós. E têm gosto, texturas, assim como os pratos que os cozinheiros inventam. Algumas são grandiosas como as copiosas refeições, outras são chumbregas como uma media com pão e manteiga, mas nem por isso menos valiosas.
Tem palavras doces, que se derretem na boca . Há outras voluptuosas, que fazem nossa língua se enrolar e salivar ao serem pronunciadas. Tem aquelas crocantes, que nos dão a sensação de mastigar salgadinhos de pacote.
E  há as aveludadas, que  envolvem o paladar e nos confortam. Para acrescentar temperos, podemos usar palavras picantes. Porque não?
Mas, como em tudo nessa vida, há a contra partida.
Assim como nos consolam e  acalentam, as palavras podem ser amargas como o fel, que nos escorre goela abaixo. Podem ser e são ferinas, tão ácidas que nos queimam por dentro, deixando um rastro de  feridas que não cicatrizam.
Por seu intermédio podemos dar vazão a tudo o que sentimos, o  que queremos expressar,  do amor mais sincero ao ódio mais profundo, da admiração extrema ao desprezo absoluto.  Podemos aprender e ensinar. Elas são o inesgotável alimento de nossa alma.
Diz o ditado que somos senhores das palavras não proferidas. Não concordo.
São elas as servas mais fieis de nossas ideias. Somos, no entanto, responsáveis pelo que falamos e como o dizemos. Por conseguinte, devemos ser capazes de arcar com as consequências.
Outrossim, nada mais a declarar.
Palavras! Palavras e mais palavras! Benditas sejam!



domingo, 2 de agosto de 2015

Se Você Fosse Um Vinho?


Se Você Fosse Um Vinho?

Gosto de vinhos. Desde pequenina. Sempre que havia um almoço na minha casa, meu pai me dava um pouco, misturado com água e um pouquinho de açúcar. Eu me lembro nitidamente da sensação agradável que me vinha ( provavelmente o álcool).
No entanto, passaram-se muitos anos antes de voltar a apreciar a bebida.
Ao ingressar no mundo da gastronomia, comecei a aprender sobre essa fantástica descoberta do homem. E quanto mais aprendo, mais vejo que menos sei e mais o assunto me fascina.
Provavelmente a bebida alcóolica mais antiga da humanidade ( há uma disputa entre o vinho e a cerveja e, recentemente fala-se em hidromel), o vinho é  uma dádiva da natureza. Os primeiros vinhos foram provenientes da fermentação natural das uvas caídas no chão. Por serendipidade, alguém, há milhares de anos atrás, teve a feliz ideia de provar as uvas fermentadas e tomar o primeiro porre da humanidade. Algum tempo depois, outro alguém de nossa engenhosa  espécie resolveu dar uma mãozinha à natureza e criou o primeiro processo de vinificação.
Os vinhos, assim como nós, possuem vida, caráter e personalidade. Eles nos encantam, nos surpreendem e, algumas vezes, nos decepcionam. E, assim como nós, são únicos.
E cada um tem um destino e uma missão a cumprir. E um jeito de ser.  Comparo as pessoas às diferentes variedades de vinhos.
Provavelmente seu vinho predileto tem a ver com o tipo de pessoa que você é. Vamos lá. Alguns exemplos.
Há aqueles que são como os Cabernets de Bordeaux. Elegantes, cultos, refinados, tradicionais, frequentam os ambientes mais sofisticados e jamais perdem a dignidade.
As pessoas Pinot Noir da Borgonha são glamorosas, sexy, frequentam os lugares badalados, são trendies, descoladas.
Já o tipo Merlot é discreto,  aparentemente frágil, mas que esconde uma grande força interior e que seduz de forma lenta, porém irreversível.  Seu charme só pode ser percebido por aqueles com espíritos superiores. Um bom Merlot jamais se esquece.
Há os  Malbec Novo Mundo, estilo pitbull, que chegam arrasando, porém são absolutamente desprovidos de conteúdo e enjoam logo depois do primeiro copo. A convivência com eles nos deixa exaustos.
E há os assemblage, que misturam Syrah, Malbec, Cabernet Franc e eventualmente Merlot e outras mais. São extremamente confusos, complicados, nos fazem pisar em ovos e nos deixam sem entender o que está acontecendo.
Não podemos esquecer dos italianos Sangiovese,  francos,  alegres, vivos, amigos, bons parceiros para uma noitada, para se rir e curtir a vida.
E há, claro, os neuróticos Carménère , impacientes, impulsivos, que não tem tempo para esperar, sempre ansiosos, e que não conseguem ouvir uma frase completa e escutar o que você tem a dizer.
 E tem mais, muito mais! Eu nem falei nos branquinhos básicos.  São milhares de variedades! São milhões de combinações! Há um vinho para cada um de nós, que satisfaz nossas indiossincrasias.
Se eu fosse um vinho eu certamente seria... Hum... não conto.
E você? Que vinho você seria?