sexta-feira, 2 de outubro de 2015

A Tela Branca


A Tela Branca

Diante de mim a tela branca me desafia.
-  “Vamos ver! Mostre ao que veio!”
Dentro de minha cabeça milhares de ideias se engalfinham pelo privilégio de ser a primeira a ser gravada na tela branca.
Fecho os olhos e ouço o Concerto de Brandenburgo no. 3 em meus fones de ouvido. A música me acalma e estimula ao mesmo tempo. Eu presto atenção nas belas frases musicais. Os instrumentos choram, riem, conversam entre si, todos falando ao mesmo tempo, numa harmonia quase dolorosa.
Diante de mim as ideias dançam frenéticas, numa tentativa infrutífera de se organizarem.
Abro os olhos e diante de mim está a tela branca. Pouso os dedos no teclado, os quais levemente estremecem. O coração acelera e se aperta na antecipação de mais um processo sofrido de apaziguar os pensamentos indóceis.
Meus dedos não se movem.
 Nesse momento, presa, imobilizada,  sinto-me uma mensageira que perdeu o rumo e que esqueceu o seu destino.
Com o coração no passado, a mente no futuro, cá estou eu no presente, diante de uma tela branca, dividida entre buscar respostas no que passou, ou alternativas no que virá.
A tela branca me fita, debochando de minha capacidade de  marcá-la de forma indelével e irreversível com as minhas impressões desordenadas.
O coração aperta mais um pouco, num laço que não vai se desfazer enquanto a tela branca não for apaziguada.
Eu suspiro e começo a escrever sem pensar, como num transe, como se uma terceira pessoa tivesse tomado minhas mãos e estivesse fazendo uso delas sem me pedir licença.
As Suites para Cello de Bach tomam o lugar do Concerto De Brandenburgo. A música agora é um lamento, ora pungente, ora insistente, que  é como um lembrete de que não posso abandonar meus pensamentos, que sou a criadora e a responsável por minhas ideias indisciplinadas.
E estas não me respeitam.  E me atormentam nas horas mais improváveis.  Por outro lado e no entanto,  elas me acalentam e me servem de companhia em noites insones, quando me levanto para arrumá-las na tela branca, onde se aquietam e me trazem o alívio e a paz tão desejados.
E eu as olho e as releio infinitas vezes, o preto no branco, sem nuanças de cinza para aplacar ou suavizar as dores, as paixões e os pensamentos ali expostos, de forma quase indecente. Minha alma desnudada sem o véu das dissimulações.
E uma sensação paradoxal se abate sobre mim. De vergonha e de libertação, por me haver exposto de forma absoluta e inconsequente.
Diante de mim a tela branca. Agora, marcada pelos meus sentimentos e ideias,  torna-se o meu legado.  Pois o que fica para sempre é o que pensamos e que transmitimos aos outros, sejam nossas dores, nossas alegrias, nossas experiências, nossas ideias, nossos pensamentos, cada um  deles um fragmento ínfimo do conhecimento humano.
Diante de mim a tela a tela branca. O meu maior alento e consolo. O meu maior desafio.