terça-feira, 10 de novembro de 2015

A Arte De Sandra Moreyra


A Arte De Sandra Moreyra

Sandra Moreyra era uma mulher inteligente, direta, dona de um dos mais belos e francos sorrisos que conheci. Sabia se expressar como poucos. Bem articulada, viajou pelo mundo a fora, trazendo informações e cultura para aqueles que eram, como eu, seus fãs incondicionais.
Apaixonada pela gastronomia, que pesquisou e que conhecia a fundo, tinha na TV Globo, no Bom Brasil, um dos quadros que  certamente  mais encantaram e adoçaram a boca de todos os que  assistiam o programa antes de partirem para suas respectivas jornadas de trabalho. A Arte na Mesa.
Conheci a Sandra em 1995,  eu ainda uma aprendiz, ao fazer um quadro no programa sobre os amadores que estavam se profissionalizando. A filmagem aconteceu na escolinha de minha querida amiga Ciça Roxo e de sua prima Leonor, que pioneiramente davam aulas de culinária para os aficionados.
Lembro-me da cheese cake de laranja com amoras que apresentei e de meu orgulho ao me ver nas telas de TV.
No ano seguinte, na mesma escolinha a Sandra gravou um programa com um jovem chef paulista, que veio dar aulas sobre Foie Gras, pouco conhecida na época. O chef estava nervoso, pois era seu primeiro programa de televisão e cortou o dedo. Trabalhou de luvas. O nome do chef era Alex Atala.
Em 1998, quando, junto com a Ciça e a Leonor montamos um ciclo de aulas com chefes conhecidos, entre eles o próprio Alex, Francesco Carli, entre outros,  ela nos prestigiou.
Em Fevereiro de 2001 abrimos um restaurante na Barra, o Bistrô Montagu e lá estava ela, cliente e amiga.
E foi lá que fez algumas de suas belas matérias. Em 2004 fizemos um jantar harmonizado com a linha de vinhos Secretos da Viu Manent. A harmonização era feita por intermédio do ingrediente secreto que existia em cada prato, que deveria ser descoberto pelos comensais.
A reportagem começava por um passeio da câmera pelo restaurante, com o fundo  musical de Hitchcock.
Sandra participou do jantar, é claro, e foi a mais entusiasmada em descobrir todos os ingredientes. Foi uma noite inesquecível.
Outra feita, ao fazer uma reportagem sobre caviar, começamos com o mesmo sendo derramado voluptuosamente sobre ostras cozidas no vapor de seu próprio líquido. Usamos uma colherinha de madrepérola, tal e qual os Czares e a aristocracia russa se servia.
Ao fazer suas reportagens, ela chegava com antecedência, com seu texto escrito e ensaiado. Tudo transcorria com uma fluidez impressionante.
Seus textos eram sucintos, bem escritos e continham a maior quantidade de informações possíveis. Uma craque!
Tive a oportunidade de privar de sua companhia e seu marido Rodrigo, xará  do meu então marido, e lembro com muito carinho dessas tardes adoráveis em que rimos muito e ouvimos alguns de seus casos. Eram tantos.
Jamais esquecerei de sua voz grave, de seu sorriso aberto, marca registrada.
Foi e será um exemplo de profissionalismo,  coragem, e de alegria de viver.
Perdemos nós, que ficamos aqui em baixo e nos privamos de sua companhia. Ganham os lá de cima que usufruirão de sua Arte na Mesa.

sábado, 7 de novembro de 2015

Abraçadinhos



Abraçadinhos

Durante muitos anos, sempre que saia por algum motivo no fim da tarde, eu cruzava com um casal de velhinhos, perto de minha casa. Ele era alto e magro. Ela era baixinha, com belos cabelos brancos, que usava num coque. Iam tomar sorvete.
Eles caminhavam sempre juntinhos, abraçados um ao outro, andando devagarinho, no ritmo plácido da velhice, de quem sabe que  não adianta ter pressa para  encontrar a morte.
E serenos, se entreolhavam eventualmente, e conversavam sobre o tempo, sobre a vida e sobre os assuntos banais do dia a dia.
Falavam baixinho e lentamente, com pausas prolongadas, pois ambos tinham todo o tempo do mundo para escutar um ao outro.
Sempre me admirei ao vê-los, abraçadinhos eternamente, depois de uma vida juntos. Um amor tão antigo, provável fruto de uma paixão ardente, quando jovens. Duas almas que deram a sorte de se encontrarem.
Sempre fiquei pensando sobre o que possam ter passado em sua existência em comum. Tiveram filhos? Tiveram netos? Tiveram perdas? Quem sabe?
Sei que tinham um ao outro. E que os dois eram um.
Quando os via, eu parava para observá-los, em seu passinho dos antigos, tão belos e tão dignos em seu amor.
E um alento me aquecia a alma, ao constatar que nesse mundo tão descrente em que vivemos, de relações virtuais, efémeras, vazias, tão eventuais e erráticas, ainda havia espaço para um sentimento tão puro e verdadeiro.
Nessa era de aparências, onde é mais importante mostrar aos outros como somos felizes, em vez de nos ocuparmos  verdadeiramente em o sê-lo, a verdadeira felicidade é essa que passeava candidamente à minha frente.
Um dia deixei de vê-los. Gosto de pensar que partiram juntos para outro lugar. Abraçadinhos e se entreolhando. Não é bonitinho?



domingo, 1 de novembro de 2015

Sussurros

Sussurros

Um bar de classe média, desses em Copacabana, frequentado pelas pessoas médias, no meio da semana, mediamente cheio. A conversa rolava amena entre os frequentadores, todos familiares, amigos ou moradores, conhecidos dos donos do estabelecimento.
Como a maioria dos pequenos bares do bairro, as mesas eram pequenas e encostadas umas nas outras e, portanto, mesmo sem querer, acabamos por participar dos dramas cotidianos da vida alheia.
E lá estava eu, mediamente entediada, passando o tempo, enquanto esperava por minhas companhias.
Diante de mim um copo de vinho branco, ao meu lado um casal.
Como já disse antes, sou uma observadora compulsivamente fascinada pelo comportamento humano, fonte infinita de inspiração para minhas modestas considerações a respeito da vida comum, que é a vida vivida por nós.
De frente um para o outro, sussurravam alto seus entendimentos, os quais não se entendiam.
À volta o ambiente familiar começava a se animar, certamente incentivado pelo nível etílico da clientela.
E os sussurros ao meu lado também subiam de tom. As palavras eram ditas mas, ao que parece, não eram entendidas. Ouvia-se mas não se escutava o que fora dito.  Triste e comum erro entre os casais - na ânsia de se fazerem entender pouco compreendem o que o outro quer falar. Os copos eram os dados, e ambos eram os peões do próprio jogo de emoções atribuladas, que jogavam com o desespero de viciados. E lá permaneceram,  cada um do seu lado da mesa, tabuleiro estratégico dos sentimentos ali postos em jogo. E a cada jogada, mais e mais apostavam, sem se dar conta do quanto perdiam. Amor, desamor, amizade, angústia, medo, incompreensão, dignidade, respeito, desprezo, raiva, desespero...
Não houve vencedores. Saíram ambos derrotados pela vida, que se interpôs em seus caminhos e os separou. Mas guardaram - creio e desejo a eles - ainda uma última cartada, que é a esperança, que traz consigo o remedinho mágico chamado tempo que cura tudo e faz esquecer.
Meus amigos chegaram. Fizemos um brinde à vida, tão boa, tão cruel, tão doce e tão amarga. Tão inesperada, e ainda assim esperada, mas acima de tudo, a vida que temos, que merecemos(ou não) e que vivemos.
Brindei com um chopp bem geladinho...