domingo, 28 de junho de 2015

Nova York: Casal 2.0


Nova York: Casal 2.0

E eis que minha alma adquirida (vide post Nova York 1.0), num esforço supremo, nos consegue uma reserva em um dos mais cobiçados restaurantes nova-iorquinos, frequentado pelo jetset, por artistas famosos, e por alguns brasileiros que incorrem na graça divina de o conseguirem, seja por que meios forem: o Polo Bar do Ralph Lauren. E no sábado! Às 19:00! Para alguns, certamente é como se abrissem as portas do Paraiso.
A ocasião obviamente merecia uma produção especial. Lá estávamos nós, me and Mr. John, devidamente embecados  - eu num pretinho básico, que não falha, e Mr. John em seu blazer Ralph Lauren ( I presume ) – pontualmente, às sete horas da noite.
Na porta, para nos receber, nada menos do que o Príncipe Encantado, com esvoaçantes cabelos louros, sorriso cintilante, trajando um belíssimo blazer com as nobres insígnias de sua casa ancestral – Ralph Lauren. Imediatamente solicitou a uma das princesas ao seu lado, que nos conduzisse ao bar, enquanto esperávamos nossa mesa ser devidamente preparada.
Após alguns minutos, outra princesa nos avisou que a mesa estava pronta, e nos guiou até o salão do restaurante,  decorado no estilo castelo de caça inglês, com paredes ricamente  forradas com painéis de madeira, onde gravuras com  cenas de caçadas, belos cavalos, cães, etc. se espalhavam. Por toda a parte havia vitrines de mogno, com belos objetos de época, em prata.
As mesas resplandeciam com toalhas de linho, arranjos florais, copos de cristal e talheres de prata.
Fomos acomodados um  aconchegante nicho junto à parede, numa mesa de canto. Do outro lado havia outra mesa exatamente igual à nossa.
Uma garçonete solícita nos entregou os cardápios. Fiquei surpresa em ver que todos os  pratos faziam parte  da cozinha tradicional americana, no estilo anos 50.
Não resisti e pedi uma roasted chicken com mashed potatoes and gravy. Nada mais retrô. Mr. John atacou de ribeye steak and roasted potatoes.
Escolhemos um vinho californiano, é claro. Chega, então,  à mesa outra atendente e nos serve o mais delicioso popover que já provei. Para quem não conhece, popovers são uma receita americana de pãezinhos de massa líquida.
Quentinhos, dourados, macios e ocos por dentro. Quase fui à lagrimas.  Minha mãe fazia estes pãezinhos para mim nas tardes de domingo. Mr. John, nova-iorquino, estranhou a minha comoção. Contei a ele minha historia.
De repente, chegam os ocupantes da mesa ao lado. Ele chegou primeiro. Alto, magro, fisionomia jovem com cabelos grisalhos, num blazer impecável e calça jeans de grife ( acho que é uniforme obrigatório para se ir ao Polo bar), parecia ser um modelo dos anúncios da marca. Ela chegou alguns minutos depois. Loura, obviamente, cabelos artisticamente presos num coque, chique, com vestido e bolsa em preto e branco, impecáveis, talvez até demais.
Ele se levantou e recebeu-a com um sorriso daqueles. Ela, mais discreta retribuiu com um discreto beijo na face.
Ralph e Lauren ( como os chamei mentalmente, de imediato ) se sentaram. Imediatamente Ralph estalou os dedos e pediu champagne.
Nossos pratos chegaram. O franguinho estava delicioso, crocante por fora e macio e tenro por dentro. Meu purê de batatas veio como eu imaginava. Rústico, com textura opulenta, e o molho por cima completava o conjunto.  Paladar infantil, alguns dirão. Porém os sabores me acalentaram. Mr. John, por sua vez estava bastante feliz com o suculento filé que lhe puseram a frente.
Na mesa ao lado, os ocupantes brindavam com champagne rosé e olhos nos olhos. Achei que iria assistir a uma dessas cenas românticas em que o rapaz se ajoelha, tira aquele anel de brilhante do bolso e pede a moça em casamento.
Eu me remexi na cadeira, já pensando em como fazer para tirar um foto e postar, é claro. Mr. John não gostou de minha atenção desviada e me disse algo do tipo “mind our own business”.
Voltei minha atenção para ele e para o meu franguinho, não necessariamente nessa ordem.
De repente o drama! Lauren se levanta rapidamente e sai . Ralph permanece sentado. de fisionomia franzida.  Sobre a mesa dois pratos de salada, praticamente intocados. Laureen está demorando. Ralph pede a conta.
Meu Deus! Lauren foi embora e largou Ralph sozinho na mesa? Lauren retorna. Trocam algumas palavras e ambos se levantam e vão embora, deixando os vestígios de uma noite que não aconteceu, de uma pergunta não formulada, ou de uma promessa que não se concretizou.
 A bela cena romântica que eu havia imaginado se transformara numa  cena de tristeza e desilusão por parte de alguém . Suspirei e tratei de me consolar com uma belíssima torta de maçãs,  com uma crosta fininha,  recheada com douradas maçãs caramelizadas e sorvete de baunilha.
Saímos do restaurante e fomos dar uma caminhada pela Quinta Avenida, em frente ao Central Park.
Caminhei em silencio, pensando que mesmo no Maravilhoso Mundo de Ralph Lauren, onde os homens  são belos e usam blazers com insígnias douradas, e as mulheres são louras, lindas e usam pretinhos básicos, há laços feitos e desfeitos e amores acabados. Nessa terra encantada os casais também vivem felizes ou infelizes. Para sempre?
Não me esquecerei dessa noite inusitada, em que comi um frango assado com purê de batatas,  em Nova York,  num restaurante chique. O Ralph Lauren sabe das coisas...

sábado, 20 de junho de 2015

New York 1.0



Nova York 1.0

 Tem que ir! Imperdível ! As dicas chovem quando a gente, com aquele sorriso blasé e ar mundano, anuncia casualmente: “Vou para Nova York”.
Restaurantes da moda, com menus degustação, chiques, descolados, temos que fazer a peregrinação e bater o ponto em cada um deles, dizer que fomos, pois afinal de contas, também somos descolados  e chiques.
O primeiro desafio é conseguir uma reserva.  Pelo menos com um mês de antecedência. Se você for do tipo que decide  sua viagem de última hora, você pagará caro por sua impulsividade. Para conseguir um lugar nesses Olimpos da gastronomia, você precisa comprar a alma de algum concierge, o que requer uma certa argúcia, além, é claro, de uma bela soma, para não desperdiçar  seu tempo e dinheiro, com uma alma incompetente. Eu, como padeço da eterna insustentável leveza dos distraídos, que não conseguem planejar a próxima semana, fui, a contra gosto, obrigada a adquirir uma dessas almas.
Minha alma adquirida desceu aos infernos e de lá extrai a primeira reserva . Restaurante disputadíssimo, ganhador de  vários prêmios internacionais, tido como um dos melhores de NY e, porque não, do mundo.
Lá fomos nós, me and Mr. John, minha companhia naquela cidade.
Chegamos por volta das 19:00, horário considerado chique. Na porta, nada menos que o próprio Ken, o marido da Barbie, com dentes de mentex, e um sorriso plastificado. Maneiroso, ele chamou uma atendente, que deve fazer anúncios na Vogue como bico, a qual nos levou a nossa mesa.
Logo nos acomodamos e diante de nós foi colocado um prato negro, de formato retangular, com duas carreirinhas brancas, meticulosamente paralelas, num canto. Não! Não é o que vocês estão pensando! Algo para intensificar os sentidos!
Era apenas sal. Logo vieram dois pãezinhos bem gostosos.
O garçom nos ofereceu água, a qual, pasmem, segundo ele, era fabricada especialmente para o restaurante. Até então, imaginava que água era a maior dádiva da natureza para os homens, disponível em rios, poços, fontes, etc.
O cardápio nos foi apresentado. Era aquilo ou aquilo mesmo. O garçom perguntou se havia algum tipo de restrição alimentar, o que me pareceu estranho, uma vez que não havia alternativas.
Pessoalmente, não tenho restrições de espécie alguma. Sou capaz de provar, e julgar se gosto ou não, qualquer alimento que não seja extremamente bizarro.
Mr. John, que é mais chegado a um espaguete ao sugo, suspirou. Confesso que fiquei com a ideia na cabeça, de que, caso houvesse restrições, seriamos gentilmente convidados a sair.
Escolhemos a harmonização de vinhos , para  acompanhar a refeição. Mal sabia eu o que me esperava.
Começou então, um desfile ininterrupto de pequeninas porções, artisticamente dispostas, que se assemelhavam, tanto em aparência, quanto no gosto, a ímãs de geladeira. Espumas de cor indefinida, que pareciam cuspe, o mesmo queijo em três texturas ( prefiro o queijo como ele é), trilogia de salsa, etc.
De repente chega uma latinha fechada. Lá no fundo havia uma batatinha cozida disposta sobre uma areia crocante, que não chegava aos pés de nossa farofa. Representava o tubérculo e a terra onde foi cultivado. Com uma certa dificuldade, consegui garfar a batatinha e provei. Advinhem! Tinha gosto de...batata!
Mr. John começou a se remexer na cadeira. O jantar nem havia começado.
Comecei a ficar um pouco tensa.
Chegou o primeiro prato.  Era a salada. Num vasinho um arranjo ( as folhas) e numa cuia uma esfera ( o vinagrete). Não havia garfo. Vieram as instruções: com as mãos, mergulhe as folhas na esfera, para que você possa apreciar o aspecto lúdico da comida. A vinagrete só tinha gosto de cominho e  de sementes de coentro. Detesto cominho. Mesmo que gostasse, estava demais.
Segundo prato: peixe.  Gostei da textura do peixe, levemente cozido em baixa temperatura, com uma espuma de sauce hollandaise, levemente aromatizada com wassabi.  Chegou à mesa numa espécie de aquário, sobre um caldo. Tratei de pescar o bocadito, e sorvi o caldo com ajuda de uma delicada colher de café.
Da mesma forma artística vieram outros pratos, servidos em aramados, chaleiras, cubos, etc, todos acompanhados de meticulosas instruções fornecidas pelo garçom . E a refeição se arrastava.
Mr. John começou a transpirar.
Finalmente a sobremesa, a qual, é claro, era uma desconstrução de varias receitas tradicionais. Já não me lembro o que era. Os vinhos, a sucessão quase infinita de bocadinhos, as instruções... muita informação.
Num certo momento, eu me senti num circo, sem ter a certeza de quem eram os palhaços...
Pedimos o café, que estranhamente veio numa xícara.
Saímos do restaurante com uma sensação singular e paradoxal. Estômago cheio e barriga vazia.
Paramos numa carrocinha e comemos cachorro-quente.