segunda-feira, 30 de maio de 2016

REFLEXOS E REFLEXÕES


Reflexos e Reflexões
( ou seria o contrário?)
Naquele dia, assim como em todos os anteriores de sua vida, até onde sua memória podia alcançar, ela se levantou e se olhou no espelho. E, de repente, lá do outro lado, estava a imagem de uma mulher madura, a fitá-la com olhos sonolentos.
Ela se assustou. Para onde fora aquela jovem de pele lisa, de olhar distraído e entusiasmado, sempre voltado para o amanhã, de risos ou caretas ( dependia do humor), com sobrancelhas arqueadas inquisitivamente, como a questionar eternamente o futuro.
Cuidadosamente, ela começou a estudar a estranha do outro lado do espelho. A pele ainda era lisa e mantinha uma certa firmeza. As maçãs do rosto ainda eram marcantes.  As sobrancelhas ainda inquisitivamente arqueadas. Mas todo o resto era diferente.
O olhar, outrora inocente e inquieto, por vezes tímido ou velado,  tornara-se mais firme, determinado. Havia uma ponta de tristeza e  resignação,  onde antigamente houvera alegria e paixão. Por outro lado, a timidez dera lugar à confiança e este olhar permanecia firme e direto sem tremer ou abaixar as pálpebras.   Lá estavam a tolerância ao invés da indignação, e a compreensão no lugar da crítica.
Em volta dos olhos, linhas tênues e outras mais profundas eram as marcas dos risos e  dos choros, sulcos deixados pelas lágrimas escorridas e  pelas gargalhadas desmedidas.
O nariz, antes atrevido e arrebitado, ainda mantinha sua altivez,  porém não mais espevitado, mas o trejeito inconsciente de empiná-lo ligeiramente sempre que algo lhe desagradava... Ah! Hábitos antigos são  arraigados...
Ela  se deteve por alguns instantes a examinar mais detalhadamente a boca. Esta já não tinha o frescor da primeira juventude, mas ainda era macia e rosada. Mas os lábios que antes se curvavam ligeiramente para cima, num sorriso maroto, comprimiam-se involuntariamente, conferindo austeridade onde antes reinava a brincadeira.  Das antigas covinhas ainda havia um resquício, e em seu lugar estavam lá, é claro, as linhas das preocupações, da amargura, das risadas, dos suspiros, das caretas, das dores e das alegrias.
Ela deu um leve sorriso, e a mulher no espelho também sorriu. Ela reparou que a fisionomia suavizara e que a mulher pareceu rejuvenescer, o que lhe causou um certo alívio.
Diante de si estava um rosto onde o tempo gravara indelevelmente todos os momentos vividos e os sentimentos sentidos.  Em cada linha, em cada marca,  um fragmento de sua vida, de sua história.  De repente,  ela pensou que ainda havia muitos sorrisos a serem sorridos e, fatalmente,  lágrimas a serem derramadas.
Ela suspirou.   E tornou a suspirar.  E deu de ombros. Escovou os dentes enquanto fazia  as pazes com o tempo e com a mulher do espelho, seu reflexo. Depois foi cuidar da vida.