terça-feira, 15 de novembro de 2016

SUPER LUA


Super Lua

Foi assim. Depois de muitos anos, do nada,  se esbarraram na rua.
Ambos se assustaram. Entreolharam-se um tanto quanto ressabiados. Tanto tempo...
O fim havia sido triste. Depois de tanto tempo...
Foram anos de um amor  alegre entre ambos. Um dia, não se lembravam quando, nem porque, o vento mudou de direção e começou a afastar um do outro, até que se perderam.
Cumprimentaram-se meio sem graça, com uma certa ansiedade.
- Como vai você?
- Vou bem...
Haviam envelhecido. Os rostos mais marcados, uma ponta de tristeza e resignação nos olhares, as costas mais encurvadas, menos brilho nos sorrisos apagados.
Por que foi que haviam terminado? Ambos ainda buscavam a resposta.
- Há quanto tempo...
- Pois é...
Mas estava lá. Perdido lá no fundo do baú de lembranças, o antigo amor que existira.
- Nunca me esqueci de você.
- Nem eu.
As lembranças aprisionadas aproveitaram então  o momento de descuido para se soltarem, e dançavam loucamente na mente de ambos, como que debochando das suas fracas tentativas de as manterem trancadas por tanto tempo...
Entre tantas, houvera uma  noite, em que houvera uma lua. Era tão linda, brilhante, a mais bela que haviam visto. Seu reflexo no mar parecia ouro puro. A noite fora mágica. Calados, admiraram aquele espetáculo que lhes fora oferecido pela natureza, abismados diante de tanta beleza e da sorte de viverem juntos aquele momento.
- Você se lembra daquela lua?
- Como poderia esquecer? Parecia um filme do Spielberg.
Nunca mais, em todas as luas cheias que iluminaram este mundo, houve outra como aquela.
- Vamos nos encontrar.
- Vamos. Na próxima lua cheia. Na próxima semana.  No mesmo lugar em que vimos aquela outra.
E tão atarantados ficaram com esse encontro, que se despediram como se tivessem se visto no dia anterior e se esqueceram de perguntar o paradeiro do outro, do qual propositalmente fizeram questão de perder a conta.
Foi no dia seguinte que descobriram que aquela seria uma lua especial. A Super Lua. A maior no espaço de cem anos.
Ela pensou. Seria um pressagio? Um sinal divino, esse encontro do nada, às vésperas da Lua Cheia, que marcara tão profundamente a vida de ambos. E a memória do dia mais feliz de sua vida voltou sob a forma de uma dor aguda.
Ele pensou. Será que levo um espumante? Champagne, com certeza. Nada abaixo, para celebrar o reencontro de seu mais antigo amor.
Ela pensou. Devo ir? Remexer o passado que lhe fora tão triste. Não seria reabrir feridas que custaram tanto a cicatrizar...
Ele pensou. Será que teremos uma nova chance? A vida lhe oferecia uma oportunidade ou uma nova decepção?
À medida que se aproximava o dia,  ficaram mais aflitos, sem respostas para suas questões, até que resolveram, cada um por sua conta, deixar nas mãos do destino.
 No dia choveu.  De suas janelas, desolados observavam o céu e suas lágrimas se juntaram às gotas da chuva que caia sem parar. E o encontro marcado entre eles e a lua não houve. Ambos se deixaram levar pela amargura e o medo, e não compareceram. Não se deram conta  que acima das nuvens escuras do ressentimento e da tristeza lá estava ela,  pacientemente esperando por eles. Sempre.
Linda, eterna, brilhante e serena. A lua.

sábado, 1 de outubro de 2016

TEMPO


O tempo é o maior presente que a vida nos dá. Esta, no entanto, não nos entrega de maneira arrumadinha, ordenada.  Ao contrário, maliciosamente, ela nos atira na cara, aos borbotões, de forma errática, o que nos leva a acreditar que é infinito.
 E este desgoverno faz a gente viver dias que não acabam nunca e outros  que passam num piscar de olhos. Horas que passam num instante, minutos que se arrastam por horas, segundos que parecem uma eternidade e os anos que passam tão rápido como areia que escorre entre nossos dedos.
E não há controle sobre o tempo. Estamos a mercê de seus caprichos, sem saber jamais se o estamos aproveitando ou apenas desperdiçando.
Nesta semana, ao completar mais um ano de vida, faço a ela,  como nos últimos tempos, apenas um pedido: eu quero tempo.
Não preciso deste para corrigir erros passados, pois estes já foram cometidos e lá no passado permanecerão. Tampouco para me arrepender do que passou.
Preciso de tempo para andar por novas estradas, novos rumos. Para conhecer novas pessoas. Para viajar e conhecer todos os lugares com os quais sonhei. Para por os pés em todos os continentes.
Preciso de tempo para voltar a um certo bar em Nova York, me sentar no balcão, tomar um copo de vinho branco Sancerre e conversar com o cara ao lado,  de cujo nome provavelmente não me lembrarei, e que, por duas horas será o meu melhor e mais sincero amigo e confidente.
Preciso de tempo para ver de novo uma  lua cheia que parece de filme do Spielberg.
Para ver a Aurora Boreal,  visitar a ilha de Skye na Escócia, . Para passar um verão em Porto Fino.  Para passar um bom tempo em Portugal. Para voltar a Goiás e passar férias na Chácara do Padre. Para catar manga madura e molhar os pés na beira de um riacho.
Quero tempo para  passar uma tarde numa praia de areia quentinha, de mar morno e sem ondas,  como as da Bahia, tomar uma caipirinha  e comer peixe fresco. Para dormir e acordar sem ter hora, e sair às quatro da manhã para ir a uma festa que nunca acaba.
Preciso de tempo para comprar um vestido vermelho de saia rodada e sandálias pretas de salto alto, para usar numa ocasião muito especial.
Preciso de tempo para provar novos vinhos e para – sim, porque não? – viver um novo grande amor, pois todo amor deve ser grande, sem ser para sempre, pois é tão passageiro quanto a própria vida.
Preciso de tempo para coisas mais prosaicas. Para ver o final de todas as minhas séries favoritas na Netflix, para ler todos os livros que se empilham na minha cabeceira e nas prateleiras das livrarias.
Para acabar de escrever o meu próprio livro de memórias, mesmo que jamais o publique, ou que alguém o leia.
Para ouvir de novo todas as minhas músicas favoritas, dançar junto em algumas e loucamente em outras.
Para rever amigos antigos e conviver com os de sempre, para experimentar todas as receitas que tenho na minha cabeça, para rir o máximo que puder até a barriga doer, para perdoar e esquecer as mágoas passadas.
Finalmente, preciso de tempo para ver meus filhos, netos, bisnetos e, quem sabe, tataranetos,  permanecerem e prosperarem sobre esta terra.
E é só o que peço. Tempo.
Pois, por mais longa que nos pareça esta vida, no final  ela é sempre muito curta.

segunda-feira, 30 de maio de 2016

REFLEXOS E REFLEXÕES


Reflexos e Reflexões
( ou seria o contrário?)
Naquele dia, assim como em todos os anteriores de sua vida, até onde sua memória podia alcançar, ela se levantou e se olhou no espelho. E, de repente, lá do outro lado, estava a imagem de uma mulher madura, a fitá-la com olhos sonolentos.
Ela se assustou. Para onde fora aquela jovem de pele lisa, de olhar distraído e entusiasmado, sempre voltado para o amanhã, de risos ou caretas ( dependia do humor), com sobrancelhas arqueadas inquisitivamente, como a questionar eternamente o futuro.
Cuidadosamente, ela começou a estudar a estranha do outro lado do espelho. A pele ainda era lisa e mantinha uma certa firmeza. As maçãs do rosto ainda eram marcantes.  As sobrancelhas ainda inquisitivamente arqueadas. Mas todo o resto era diferente.
O olhar, outrora inocente e inquieto, por vezes tímido ou velado,  tornara-se mais firme, determinado. Havia uma ponta de tristeza e  resignação,  onde antigamente houvera alegria e paixão. Por outro lado, a timidez dera lugar à confiança e este olhar permanecia firme e direto sem tremer ou abaixar as pálpebras.   Lá estavam a tolerância ao invés da indignação, e a compreensão no lugar da crítica.
Em volta dos olhos, linhas tênues e outras mais profundas eram as marcas dos risos e  dos choros, sulcos deixados pelas lágrimas escorridas e  pelas gargalhadas desmedidas.
O nariz, antes atrevido e arrebitado, ainda mantinha sua altivez,  porém não mais espevitado, mas o trejeito inconsciente de empiná-lo ligeiramente sempre que algo lhe desagradava... Ah! Hábitos antigos são  arraigados...
Ela  se deteve por alguns instantes a examinar mais detalhadamente a boca. Esta já não tinha o frescor da primeira juventude, mas ainda era macia e rosada. Mas os lábios que antes se curvavam ligeiramente para cima, num sorriso maroto, comprimiam-se involuntariamente, conferindo austeridade onde antes reinava a brincadeira.  Das antigas covinhas ainda havia um resquício, e em seu lugar estavam lá, é claro, as linhas das preocupações, da amargura, das risadas, dos suspiros, das caretas, das dores e das alegrias.
Ela deu um leve sorriso, e a mulher no espelho também sorriu. Ela reparou que a fisionomia suavizara e que a mulher pareceu rejuvenescer, o que lhe causou um certo alívio.
Diante de si estava um rosto onde o tempo gravara indelevelmente todos os momentos vividos e os sentimentos sentidos.  Em cada linha, em cada marca,  um fragmento de sua vida, de sua história.  De repente,  ela pensou que ainda havia muitos sorrisos a serem sorridos e, fatalmente,  lágrimas a serem derramadas.
Ela suspirou.   E tornou a suspirar.  E deu de ombros. Escovou os dentes enquanto fazia  as pazes com o tempo e com a mulher do espelho, seu reflexo. Depois foi cuidar da vida.



sexta-feira, 22 de abril de 2016

A CAPA DOURADA

A Capa Dourada
Uma pequena fábula sobre a vida

Era uma vez um rapaz vaidoso, que usava com garbo uma bela capa brilhante e dourada, com a qual encantava a todos.
Um belo dia, o rapaz encontrou a Uma, moça graciosa e faceira, pela qual se apaixonou. Uma, por sua vez, se encantou com o rapaz , que com tanto garbo portava a bela capa, e por ele também se apaixonou.
E Uma se tornou a Única. E o rapaz e ela se tornaram Um. Ambos ouviam as mesmas músicas, sonhavam os mesmos sonhos, sofriam as mesmas aflições, e viviam um para o outro, um pelo outro.
Por anos, a Uma deu de comer ao rapaz o alimento do espírito, e este, em troca, lhe deu de beber seus ensinamentos..  Por anos trilharam juntos os caminhos da vida, subiram montanhas e percorreram vales, o rapaz com sua bela capa, a encantar a todos, e  a Uma a admirá-lo.  E assim, o tempo se passou.
Certa feita, no entanto, o rapaz se descuidou, e a Uma o viu, pela primeira vez, sem a capa. Ela estremeceu. Naquele momento, a Uma  descobriu a verdade terrível. Havia se apaixonado pela capa brilhante, e não pelo homem que garbosamente a portava.
O rapaz, pego desprevenido, se assustou e logo se cobriu com  esta. Mas o mal havia sido feito. Seu segredo fora descoberto.
Uma , de sua parte, embora houvesse vislumbrado a verdade e perdido o encanto e admiração, ainda queria bem ao rapaz e por conta de tantos anos de amor e companhia, continuou a alimentá-lo e a seguir o caminho traçado por ambos.
Mas o rapaz não conseguia esquecer. Ferido profundamente em sua vaidade, mortificava-se a cada dia em que convivia com Uma.  Já não conseguia mais dormir. Passava as noites acordado, remoendo o fato de que alguém havia o vislumbrado de verdade, desprovido do encanto da capa. O medo lhe corroía as entranhas. E se o mundo souber? E se Uma contar a todos? Passou a vigiá-la e a olhava com ódio, pois esta havia descoberto o que tanto se empenhara em esconder.
Após tantos anos vendo o mundo através do véu de sua capa, o rapaz não conseguiu enxergar a realidade. A Uma jamais revelaria seu segredo, pois este não lhe pertencia.
 O rapaz começou, então,  a procurar uma saída para a sua agonia. E encontrou a Outra. Esta, nem tão graciosa, nem bonita nem feia ( e, no entanto,  ele lhe acenou), se encantou pela capa dourada e pelo rapaz que tão garbosamente a portava. E o rapaz que tinha a Uma, agora tinha a Outra. E assim foi por algum tempo. A Uma e a Outra.
Um dia, não suportando mais a situação, ele fugiu.  Enquanto a Uma dormia, na madrugada, ele se levantou devagarinho e saiu pela porta dos fundos, que deixou entreaberta, para não fazer barulho.
O rapaz tinha a Uma mas preferiu a Outra, pois a Uma o vira como ele realmente era, enquanto que a Outra o via da forma como ele queria ser visto.
E lá se foi ele, vida afora, arrastando a garbosa capa dourada e a Outra. Não se alimentava mais, pois a Uma já não lhe alimentava o espírito. Já não dava mais o que beber, pois a Outra não  lhe sorvia os ensinamentos. Eventualmente,  ainda olha disfarçadamente para trás. À procura de Uma?  Esta seguira seu caminho e já não poderia  mais ser vista.
Mas o  Tempo cruel não perdoa. A capa já não é tão brilhante e seu tecido, outrora macio,  a cada dia se esgarça e  se torna mais áspero.
Secretamente ele remenda os buracos, e a coloca sob o sol. E gasta mais e mais horas a remendar, noites afora, o que o Tempo implacável  se encarrega de desfazer.
E, a cada dia, mais atormentado, refugia-se na ilusão de que, apesar de tudo, sempre haverá um último remendo a ser feito.
No entanto, um dia a capa dourada vai parar de brilhar.  O que será então do rapaz? E da Outra?

Em tempo:  Uma? Esta descobrira que não pertencia às Estirpes condenadas a Cem Anos de Solidão e conseguiu uma segunda chance nesta terra...

terça-feira, 5 de abril de 2016

O encontro e os desencontros


O Encontro e os Desencontros

Era um barzinho perdido em Botafogo, daqueles sem identidade, nem feio nem bonito, apenas mais um barzinho.
E lá estavam eles sentados numa mesa do canto para o último desencontro.
É certo que há muitos anos atrás houve um encontro. Foi daqueles em que duas almas se reconhecem e se encaixam como as duas últimas peças de um quebra-cabeça e tudo passa a fazer sentido.
E assim foi, por um longo tempo, até que um vento de fora soprou forte e desfez a figura. As pecinhas se desencaixaram e se espalharam por aí.
Veio então a época dos desencontros, quando se perderam(ou foram perdidos) o tempo, a hora, a oportunidade e o amor.
E a cada encontro havia mais e mais desencontros, em que o silêncio implacável permanecia no lugar do que deveria ser dito, ou então as palavras desnecessárias e impacientes jorravam quando o mais sábio era guardar para si os ditames da raiva, que corroíam como ácido.
E lá estavam eles, num barzinho de Botafogo, daqueles sem identidade, nem feio nem bonito, apenas mais um barzinho.
E lá estavam eles para o último desencontro.
Pediram uma pizza e um vinho barato, pois eram apenas um  pretexto para lá permanecerem por algumas horas.
A pizza não tinha gosto e o vinho descia amargo. Talvez  por sentirem dentro de si a mão da separação iminente que lhes apertava o peito. Ou por serem meros adornos de uma cena triste de um cotidiano qualquer.
Sentados, um diante do outro, pela derradeira vez, trocaram as palavras erradas e deixaram de proferir as que realmente importavam.
E, impotentes, viram os fragmentos de sua relação, cada momento desta, vivido por eles, se desfazer e desaparecer no ar, em direção ao  vazio.
E, pela última vez ,o silencio constrangedor se interpôs sobre eles, como uma sentença irrevogável.
Eles se levantaram e ambos foram viver suas vidas, doravante paralelas, cada um com a vaga e secreta esperança de um dia se reencontrarem no infinito...


terça-feira, 10 de novembro de 2015

A Arte De Sandra Moreyra


A Arte De Sandra Moreyra

Sandra Moreyra era uma mulher inteligente, direta, dona de um dos mais belos e francos sorrisos que conheci. Sabia se expressar como poucos. Bem articulada, viajou pelo mundo a fora, trazendo informações e cultura para aqueles que eram, como eu, seus fãs incondicionais.
Apaixonada pela gastronomia, que pesquisou e que conhecia a fundo, tinha na TV Globo, no Bom Brasil, um dos quadros que  certamente  mais encantaram e adoçaram a boca de todos os que  assistiam o programa antes de partirem para suas respectivas jornadas de trabalho. A Arte na Mesa.
Conheci a Sandra em 1995,  eu ainda uma aprendiz, ao fazer um quadro no programa sobre os amadores que estavam se profissionalizando. A filmagem aconteceu na escolinha de minha querida amiga Ciça Roxo e de sua prima Leonor, que pioneiramente davam aulas de culinária para os aficionados.
Lembro-me da cheese cake de laranja com amoras que apresentei e de meu orgulho ao me ver nas telas de TV.
No ano seguinte, na mesma escolinha a Sandra gravou um programa com um jovem chef paulista, que veio dar aulas sobre Foie Gras, pouco conhecida na época. O chef estava nervoso, pois era seu primeiro programa de televisão e cortou o dedo. Trabalhou de luvas. O nome do chef era Alex Atala.
Em 1998, quando, junto com a Ciça e a Leonor montamos um ciclo de aulas com chefes conhecidos, entre eles o próprio Alex, Francesco Carli, entre outros,  ela nos prestigiou.
Em Fevereiro de 2001 abrimos um restaurante na Barra, o Bistrô Montagu e lá estava ela, cliente e amiga.
E foi lá que fez algumas de suas belas matérias. Em 2004 fizemos um jantar harmonizado com a linha de vinhos Secretos da Viu Manent. A harmonização era feita por intermédio do ingrediente secreto que existia em cada prato, que deveria ser descoberto pelos comensais.
A reportagem começava por um passeio da câmera pelo restaurante, com o fundo  musical de Hitchcock.
Sandra participou do jantar, é claro, e foi a mais entusiasmada em descobrir todos os ingredientes. Foi uma noite inesquecível.
Outra feita, ao fazer uma reportagem sobre caviar, começamos com o mesmo sendo derramado voluptuosamente sobre ostras cozidas no vapor de seu próprio líquido. Usamos uma colherinha de madrepérola, tal e qual os Czares e a aristocracia russa se servia.
Ao fazer suas reportagens, ela chegava com antecedência, com seu texto escrito e ensaiado. Tudo transcorria com uma fluidez impressionante.
Seus textos eram sucintos, bem escritos e continham a maior quantidade de informações possíveis. Uma craque!
Tive a oportunidade de privar de sua companhia e seu marido Rodrigo, xará  do meu então marido, e lembro com muito carinho dessas tardes adoráveis em que rimos muito e ouvimos alguns de seus casos. Eram tantos.
Jamais esquecerei de sua voz grave, de seu sorriso aberto, marca registrada.
Foi e será um exemplo de profissionalismo,  coragem, e de alegria de viver.
Perdemos nós, que ficamos aqui em baixo e nos privamos de sua companhia. Ganham os lá de cima que usufruirão de sua Arte na Mesa.

sábado, 7 de novembro de 2015

Abraçadinhos



Abraçadinhos

Durante muitos anos, sempre que saia por algum motivo no fim da tarde, eu cruzava com um casal de velhinhos, perto de minha casa. Ele era alto e magro. Ela era baixinha, com belos cabelos brancos, que usava num coque. Iam tomar sorvete.
Eles caminhavam sempre juntinhos, abraçados um ao outro, andando devagarinho, no ritmo plácido da velhice, de quem sabe que  não adianta ter pressa para  encontrar a morte.
E serenos, se entreolhavam eventualmente, e conversavam sobre o tempo, sobre a vida e sobre os assuntos banais do dia a dia.
Falavam baixinho e lentamente, com pausas prolongadas, pois ambos tinham todo o tempo do mundo para escutar um ao outro.
Sempre me admirei ao vê-los, abraçadinhos eternamente, depois de uma vida juntos. Um amor tão antigo, provável fruto de uma paixão ardente, quando jovens. Duas almas que deram a sorte de se encontrarem.
Sempre fiquei pensando sobre o que possam ter passado em sua existência em comum. Tiveram filhos? Tiveram netos? Tiveram perdas? Quem sabe?
Sei que tinham um ao outro. E que os dois eram um.
Quando os via, eu parava para observá-los, em seu passinho dos antigos, tão belos e tão dignos em seu amor.
E um alento me aquecia a alma, ao constatar que nesse mundo tão descrente em que vivemos, de relações virtuais, efémeras, vazias, tão eventuais e erráticas, ainda havia espaço para um sentimento tão puro e verdadeiro.
Nessa era de aparências, onde é mais importante mostrar aos outros como somos felizes, em vez de nos ocuparmos  verdadeiramente em o sê-lo, a verdadeira felicidade é essa que passeava candidamente à minha frente.
Um dia deixei de vê-los. Gosto de pensar que partiram juntos para outro lugar. Abraçadinhos e se entreolhando. Não é bonitinho?