quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Uma Pitadinha

É o que faz a diferença.
O que faz um prato ser inesquecível? Será a sua apresentação primorosa? Ou quem sabe suas texturas impecáveis?
Não há escola de culinária, universidade de gastronomia que ensine o grande segredo da “pitadinha”.
Conforme Herman Senn bem resumiu em seu compêndio O Livro dos Molhos(1915) “ é muito difícil ensinar alguém a temperar” .
Jamais me esqueci de um ensopado bordalês( que para mim era exatamente igual a um boeuf bourguignon) que comi num pequeno restaurante no interior da França, já se vai um longo tempo.
Havíamos dirigido por horas e já passara do horário de almoço.
Chegamos a Saint Emilion por volta de das duas horas da tarde.
Embora fosse outono o dia estava perfeito.Sol. Um pouco friozinho....
Claro que a fome era tenebrosa e já estávamos dispostos a parar em qualquer posto ou coisa que o valha e comprar pão, queijo, etc, enfim, o lanchinho básico francês, quando, ao dobrarmos a esquina, avistamos o pequeno bistrô e resolvemos arriscar.
Era bem simples e estava aberto, por um desses fatos inexplicáveis da vida.
O restaurante estava vazio e nos sentamos junto a janela. A cidadezinha era bucólica e simpática, com suas ruelas e arquitetura medievais, e belos vinhedos a sua volta.
Não havia cardápio e o dono nos explicou que naquela hora só havia o tal ensopado que havia sido servido no almoço.
Não havia alternativa: era pegar ou largar.
E lá veio ele, trazendo consigo uma cesta de pães quentinhos, batatas cozidas, e uma terrina de porcelana, repleta de nacos de carne, cogumelos, ervas, pequenas cebolas, tudo mergulhado no melhor molho que já provei. Rico, espesso, perfumado, intenso, pródigo em aromas e sabores, trazia a cada garfada um novo prazer. Regado com uma garrafa de vinho da região, transformou nossa tarde outonal em momentos que jamais esquecerei.
Agradeço a Deus, até hoje, a fome que nos fez provar uma das melhores coisas de nossas vidas.

Recentemente, ao ministrar uma aula sobre molhos, eu me lembrei daquele prato...
Para mim, o componente secreto de um molho, é uma pitadinha da mistura mágica obtida pela ousadia e sensatez, criatividade e respeito pela tradição, generosidade e prudência, conhecimento e humildade, coragem e força de vontade, que se chama talento.

Um comentário:

Bruno Moreschi disse...

Obrigado pela visita.
Concordo com vc. Eu, por exemplo, adoro o quiabo frito da minha mãe.
Abraços!