sábado, 20 de junho de 2015

New York 1.0



Nova York 1.0

 Tem que ir! Imperdível ! As dicas chovem quando a gente, com aquele sorriso blasé e ar mundano, anuncia casualmente: “Vou para Nova York”.
Restaurantes da moda, com menus degustação, chiques, descolados, temos que fazer a peregrinação e bater o ponto em cada um deles, dizer que fomos, pois afinal de contas, também somos descolados  e chiques.
O primeiro desafio é conseguir uma reserva.  Pelo menos com um mês de antecedência. Se você for do tipo que decide  sua viagem de última hora, você pagará caro por sua impulsividade. Para conseguir um lugar nesses Olimpos da gastronomia, você precisa comprar a alma de algum concierge, o que requer uma certa argúcia, além, é claro, de uma bela soma, para não desperdiçar  seu tempo e dinheiro, com uma alma incompetente. Eu, como padeço da eterna insustentável leveza dos distraídos, que não conseguem planejar a próxima semana, fui, a contra gosto, obrigada a adquirir uma dessas almas.
Minha alma adquirida desceu aos infernos e de lá extrai a primeira reserva . Restaurante disputadíssimo, ganhador de  vários prêmios internacionais, tido como um dos melhores de NY e, porque não, do mundo.
Lá fomos nós, me and Mr. John, minha companhia naquela cidade.
Chegamos por volta das 19:00, horário considerado chique. Na porta, nada menos que o próprio Ken, o marido da Barbie, com dentes de mentex, e um sorriso plastificado. Maneiroso, ele chamou uma atendente, que deve fazer anúncios na Vogue como bico, a qual nos levou a nossa mesa.
Logo nos acomodamos e diante de nós foi colocado um prato negro, de formato retangular, com duas carreirinhas brancas, meticulosamente paralelas, num canto. Não! Não é o que vocês estão pensando! Algo para intensificar os sentidos!
Era apenas sal. Logo vieram dois pãezinhos bem gostosos.
O garçom nos ofereceu água, a qual, pasmem, segundo ele, era fabricada especialmente para o restaurante. Até então, imaginava que água era a maior dádiva da natureza para os homens, disponível em rios, poços, fontes, etc.
O cardápio nos foi apresentado. Era aquilo ou aquilo mesmo. O garçom perguntou se havia algum tipo de restrição alimentar, o que me pareceu estranho, uma vez que não havia alternativas.
Pessoalmente, não tenho restrições de espécie alguma. Sou capaz de provar, e julgar se gosto ou não, qualquer alimento que não seja extremamente bizarro.
Mr. John, que é mais chegado a um espaguete ao sugo, suspirou. Confesso que fiquei com a ideia na cabeça, de que, caso houvesse restrições, seriamos gentilmente convidados a sair.
Escolhemos a harmonização de vinhos , para  acompanhar a refeição. Mal sabia eu o que me esperava.
Começou então, um desfile ininterrupto de pequeninas porções, artisticamente dispostas, que se assemelhavam, tanto em aparência, quanto no gosto, a ímãs de geladeira. Espumas de cor indefinida, que pareciam cuspe, o mesmo queijo em três texturas ( prefiro o queijo como ele é), trilogia de salsa, etc.
De repente chega uma latinha fechada. Lá no fundo havia uma batatinha cozida disposta sobre uma areia crocante, que não chegava aos pés de nossa farofa. Representava o tubérculo e a terra onde foi cultivado. Com uma certa dificuldade, consegui garfar a batatinha e provei. Advinhem! Tinha gosto de...batata!
Mr. John começou a se remexer na cadeira. O jantar nem havia começado.
Comecei a ficar um pouco tensa.
Chegou o primeiro prato.  Era a salada. Num vasinho um arranjo ( as folhas) e numa cuia uma esfera ( o vinagrete). Não havia garfo. Vieram as instruções: com as mãos, mergulhe as folhas na esfera, para que você possa apreciar o aspecto lúdico da comida. A vinagrete só tinha gosto de cominho e  de sementes de coentro. Detesto cominho. Mesmo que gostasse, estava demais.
Segundo prato: peixe.  Gostei da textura do peixe, levemente cozido em baixa temperatura, com uma espuma de sauce hollandaise, levemente aromatizada com wassabi.  Chegou à mesa numa espécie de aquário, sobre um caldo. Tratei de pescar o bocadito, e sorvi o caldo com ajuda de uma delicada colher de café.
Da mesma forma artística vieram outros pratos, servidos em aramados, chaleiras, cubos, etc, todos acompanhados de meticulosas instruções fornecidas pelo garçom . E a refeição se arrastava.
Mr. John começou a transpirar.
Finalmente a sobremesa, a qual, é claro, era uma desconstrução de varias receitas tradicionais. Já não me lembro o que era. Os vinhos, a sucessão quase infinita de bocadinhos, as instruções... muita informação.
Num certo momento, eu me senti num circo, sem ter a certeza de quem eram os palhaços...
Pedimos o café, que estranhamente veio numa xícara.
Saímos do restaurante com uma sensação singular e paradoxal. Estômago cheio e barriga vazia.
Paramos numa carrocinha e comemos cachorro-quente.




Um comentário:

Ana Paola disse...

E o Mr John???��