segunda-feira, 6 de julho de 2015

Nova York 3.0: A Loura Diet Coke.



Nova York 3.0: A Loura Diet Coke

Minha última noite em Nova York. Malas por fazer, afinal quem resiste a umas comprinhas... Decidi jantar no próprio hotel.
Fiquei hospedada num hotel badalado -  hotel boutique, como chamam por aí- com um restaurante descolado, do Jeans Georges. Tanto o restaurante quanto o bar são frequentados pelos executivos e moradores do Upper East Side, sem dúvida gente da melhor estirpe. Ambos estabelecimentos vivem lotados de domingo a domingo.
Eu havia reservado para mais tarde, um horário mais tranquilo.
Depois de arrumar as malas, desci para relaxar e aproveitar minha ultima noite. Sentei-me no bar à espera de Mr. John, e pedi meu copo de Sancerre. Olhei ao redor, observando o publico eclético.  Homens e mulheres, em grupos ou a sós, cada um deles procurando por diversão, conversas, lazer, por uma companhia para a noite ou pelo par para a vida toda. Por trás de cada risada, sorriso, trejeito, charme, percebe-se a ansiedade, a insegurança, a certeza de que se está abafando, os olhares furtivos, o desejo de agradar... e percebe-se as mãos que se esbarram, os corpos que se tocam, e diante de nós está o balé dos desencontrados sentimentos humanos.
De repente sinto um forte aroma de perfume. Ao meu lado senta-se uma loura belíssima, impecavelmente vestida, maquiada e penteada. Olhares se voltam para ela. Não pude deixar de reparar. Porém, ao segundo olhar, nota-se que a saia é um pouco curta demais, o batom é um pouco vermelho demais, a roupa é um pouco justa demais, assim como o perfume. Ela olha ao redor com um ar entediado, suspira e pede uma Diet Coke. Consulta o telefone impacientemente.
Mr. John chega finalmente. Ficara retido com reuniões de negócios. Convido-o para um drink antes de irmos para o restaurante.
De rabo de olho observo a loura. Devo esclarecer a todos, neste momento, que não sou uma xereta contumaz. Apenas as situações humanas me fascinam. Não julgo, não critico, nem condeno. Todos temos nossas fraquezas. Todos temos nossos pecados. Ao contrario, eu me enriqueço ao partilhar dessas experiências.
Chega o homem por quem ela esperava. Alto, careca, bem apessoado, um tanto barrigudo. Olha ao redor e vai de encontro a ela. A loura abre um  sorriso esplendorosamente isento de alegria. Ele se senta ao lado dela, pede um uísque, e trocam algumas palavras. Ele bebe alguns goles, paga a conta e retiram-se do bar, a loura à frente, causando suspiros por onde passa.
Fomos para o restaurante. Não me lembro do que Mr. John comeu. De minha parte pedi um hambúrguer. Ir a Nova York e não comer hambúrguer é que nem ir a Roma e não comer massa. O hambúrguer de lá é famoso.
Pedi meu vinho predileto daquela viagem. Um Amapola Creek, Cabernet Sauvignon 2010, Sonoma Valley. Redondo, aveludado, meio over como os vinhos americanos, mas exatamente do que eu precisava. Desceu como uma luva.
Meu hambúrguer chegou. Fez jus à fama. Tenro, no ponto,  delicioso, acompanhado por batatinhas crocantes. Pena que puseram azeite de trufas. Não precisava.
A noite foi longa. Havia muito o que conversar. Afinal Mr. John foi um grande companheiro de viagem. Teve a pachorra de me acompanhar em minha peregrinação gastronômica,  nem sempre bem sucedida, sem dizer um ai. Relembramos os bons momentos, o desespero para se conseguir um taxi numa tarde chuvosa,  o domingo no Central Park, a noite louca do Hell’s Kitchen, as comidas  bizarras e os trejeitos pedantes de alguns restaurantes, assim como o serviço à la italiana da Pizzaria Serafina.
Chegou a hora afinal. Não sou muito boa em despedidas.  Não gosto de dizer adeus, e até à volta me parece banal. Não  sei quando voltarei a ver Mr. John, ou se voltarei a vê-lo. A vida é tão cheia de esquinas...
Subi para o quarto, e ainda dei uma olhada nas malas.
Finalmente eu me deitei e meus pensamentos foram para a Loura Diet Coke. O sorriso frio, isento de qualquer emoção, me veio à mente. De alguma forma temos algo em comum. Em minha profissão de cozinheira, meu objetivo é trazer prazer aos outros. Ela, em sua profissão, também. Mas a diferença entre nós é que sinto alegria com o que faço, ao passo que ela, parece-me, cumpre bem seu papel. Apenas.
E cheguei à conclusão de que não há relacionamento mais honesto do que esse. Não há ilusões nem falsas expectativas. Cada um sabe o que quer, o que vai obter,  o preço que se cobra e o preço que se paga.
Apaguei a luz e dormi minha ultima noite na cidade que não dorme nunca.
See ya New York!



Um comentário:

JOSE ANTONIO LEAO RAMOS disse...

Excelente, Maria Victoria!! Mais..