sexta-feira, 22 de abril de 2016

A CAPA DOURADA

A Capa Dourada
Uma pequena fábula sobre a vida

Era uma vez um rapaz vaidoso, que usava com garbo uma bela capa brilhante e dourada, com a qual encantava a todos.
Um belo dia, o rapaz encontrou a Uma, moça graciosa e faceira, pela qual se apaixonou. Uma, por sua vez, se encantou com o rapaz , que com tanto garbo portava a bela capa, e por ele também se apaixonou.
E Uma se tornou a Única. E o rapaz e ela se tornaram Um. Ambos ouviam as mesmas músicas, sonhavam os mesmos sonhos, sofriam as mesmas aflições, e viviam um para o outro, um pelo outro.
Por anos, a Uma deu de comer ao rapaz o alimento do espírito, e este, em troca, lhe deu de beber seus ensinamentos..  Por anos trilharam juntos os caminhos da vida, subiram montanhas e percorreram vales, o rapaz com sua bela capa, a encantar a todos, e  a Uma a admirá-lo.  E assim, o tempo se passou.
Certa feita, no entanto, o rapaz se descuidou, e a Uma o viu, pela primeira vez, sem a capa. Ela estremeceu. Naquele momento, a Uma  descobriu a verdade terrível. Havia se apaixonado pela capa brilhante, e não pelo homem que garbosamente a portava.
O rapaz, pego desprevenido, se assustou e logo se cobriu com  esta. Mas o mal havia sido feito. Seu segredo fora descoberto.
Uma , de sua parte, embora houvesse vislumbrado a verdade e perdido o encanto e admiração, ainda queria bem ao rapaz e por conta de tantos anos de amor e companhia, continuou a alimentá-lo e a seguir o caminho traçado por ambos.
Mas o rapaz não conseguia esquecer. Ferido profundamente em sua vaidade, mortificava-se a cada dia em que convivia com Uma.  Já não conseguia mais dormir. Passava as noites acordado, remoendo o fato de que alguém havia o vislumbrado de verdade, desprovido do encanto da capa. O medo lhe corroía as entranhas. E se o mundo souber? E se Uma contar a todos? Passou a vigiá-la e a olhava com ódio, pois esta havia descoberto o que tanto se empenhara em esconder.
Após tantos anos vendo o mundo através do véu de sua capa, o rapaz não conseguiu enxergar a realidade. A Uma jamais revelaria seu segredo, pois este não lhe pertencia.
 O rapaz começou, então,  a procurar uma saída para a sua agonia. E encontrou a Outra. Esta, nem tão graciosa, nem bonita nem feia ( e, no entanto,  ele lhe acenou), se encantou pela capa dourada e pelo rapaz que tão garbosamente a portava. E o rapaz que tinha a Uma, agora tinha a Outra. E assim foi por algum tempo. A Uma e a Outra.
Um dia, não suportando mais a situação, ele fugiu.  Enquanto a Uma dormia, na madrugada, ele se levantou devagarinho e saiu pela porta dos fundos, que deixou entreaberta, para não fazer barulho.
O rapaz tinha a Uma mas preferiu a Outra, pois a Uma o vira como ele realmente era, enquanto que a Outra o via da forma como ele queria ser visto.
E lá se foi ele, vida afora, arrastando a garbosa capa dourada e a Outra. Não se alimentava mais, pois a Uma já não lhe alimentava o espírito. Já não dava mais o que beber, pois a Outra não  lhe sorvia os ensinamentos. Eventualmente,  ainda olha disfarçadamente para trás. À procura de Uma?  Esta seguira seu caminho e já não poderia  mais ser vista.
Mas o  Tempo cruel não perdoa. A capa já não é tão brilhante e seu tecido, outrora macio,  a cada dia se esgarça e  se torna mais áspero.
Secretamente ele remenda os buracos, e a coloca sob o sol. E gasta mais e mais horas a remendar, noites afora, o que o Tempo implacável  se encarrega de desfazer.
E, a cada dia, mais atormentado, refugia-se na ilusão de que, apesar de tudo, sempre haverá um último remendo a ser feito.
No entanto, um dia a capa dourada vai parar de brilhar.  O que será então do rapaz? E da Outra?

Em tempo:  Uma? Esta descobrira que não pertencia às Estirpes condenadas a Cem Anos de Solidão e conseguiu uma segunda chance nesta terra...