Turma descolada |
Bruna em um momento de descontração |
A Noite dos Descolados
Era um desses lugares da moda, bem moderninho, mistura de
bar e restaurante, decoração arrojada, e
cozinha contemporânea , é claro.
Lá fomos nós, grupinho animado, curtir a quinta-feira.
Salão lotado, clientela eclética, maneira chique de dizer
que tinha de tudo: os descolados, os formadores de opiniões, os deslumbrados,
os moradores da vizinhança e alguns
passantes incautos, que viram o bochicho e entraram.
Precavidos, havíamos reservado. A hostess, com um modelito
estilo saco a vácuo, escova progressiva nos cabelos e sorriso Colgate, nos
encaminhou até nossa mesa, espremida entre outras, onde nos sentamos em
cadeiras, bancos e pufes e afins, que faziam parte da decoração.
Logo veio um rapaz trajado com jeans rasgados, camisa branca
para fora, com tranças rastafari e piercings no nariz, orelhas e onde mais
fosse possível pendurar qualquer tipo de argolinhas. Muito simpático, logo se
apresentou: - “Oiéé! Sou o Rafa! Sou eu que vou cuidar de vocês nesta noite!”
Tal declaração nos tranquilizou, ao sabermos que estaríamos
nas mãos de tão prestimosa criatura.
Rafa então distribuiu alguns cardápios e explicou: -
“Trata-se de nossa carta de drinks especiais, criações de nosso mixologista.”
(mixologista: anglicismo derivado do verbo em inglês mix, que substitui o
antigo nome também em inglês - Bar Tender).
De fato, mistura é a
palavra que define bem os drinks ali oferecidos, pois todos eram compostos por
uma grande quantidade de ingredientes que incluíam frutas, especiarias,
infusões, xaropes, essências e o álcool
para catalisar o resultado.
Escolhemos alguns e, confesso, achei todos com gosto muito
semelhante, e me lembraram os antigos Drops Dulcora que chupava, em minha
infância.
Rafa, que nos havia deixado a sós com os drinks, surge, vários minutos depois,
com o cardápio de comida, também descolado e preparado pelo chefe que acaba de
voltar da Europa, onde fez estágio nos melhores restaurantes, e que está empenhado em valorizar a cozinha e os ingredientes
brasileiros.
Tivemos uma certa dificuldade em fazer nossas escolhas, em primeiro
lugar por que o restaurante era muito escuro e mal conseguíamos enxergar o que
estava escrito. Com a ajuda dos sempre presentes IPhones, conseguimos iluminar
o cardápio.
O segundo problema foi decidir o que escolher. Queríamos
algo mais simples que combinasse com a proposta descontraída do lugar e com os
drinks, por sua vez, muito elaborados. Infelizmente não pudemos contar com a
ajuda de Rafa, pois este aparentemente estava às voltas com algum assunto gravíssimo
lá dentro, que o impedia de comparecer ao salão.
Entre os feijões de Santarém, tucupi, pequi, sementes de
quiabo fritas, espumas de cará e outros itens de nossa imensa terra, achamos um
mix ( acho que é a palavra de ordem
do momento) de tapas brasileiros, que nos pareceu razoável.
E eis que volta o
Rafa, um tanto quanto esbaforido, quiçá ansioso, e lá se foi com nossos
pedidos. A essa altura, eu já havia desistido dos drinks e partido para um
vinho branco básico, que consegui por meios extremos. Fui direto ao bar e pedi
ao mixologista de plantão.
O salão não parava de encher. Havíamos desistido de
conversar pois além da musica altíssima, a acústica do ambiente amplificava o
vozerio exaltado dos frequentadores,
certamente muitos decibéis acima do suportável. Nos contentamos em observar as
figuras que nos rodeavam.
Flashes pipocavam a
cada segundo. As selfies bombavam.
Whatssaps a mil! Instagram! Facebook! Curtidas!
Estávamos na nova Terra do Nunca, onde as pessoas nunca se encontram de
verdade, apenas em realidades paralelas, eternamente separadas pelos
Aplicativos e outros seres míticos, habitantes dos Universos Virtuais.
Más noticias! Rafa definitivamente nos abandonou! Para
substitui-lo apareceu Bruna, seu avatar
feminino, de cabelos platinum com
reflexos laranja, cortados por algum cabeleireiro surtado, após ingerir alguns
litros de chá de cogumelos alucinógenos. Bruna, obviamente, também usava piercings, usava jeans rasgados e uma blusa que certamente pertencera a sua irmã
caçula. As unhas e batom negros completavam o visual. Detalhe: Bruna pagava
cofrinho...
A gentil Bruna finalmente nos trouxe o Mix, tão penosamente
escolhido por nós.
Olhei o prato com exacerbada curiosidade e uma certa
apreensão. Lá estavam os indefectíveis itens da moda: espumas, texturas, mini
brotos. Ausentes: sabores, aromas, satisfação. Suspirei e me abstive de
comentários. Naquele momento desejei ardentemente ser a Feiticeira, do seriado de TV, que com uma mexidinha do nariz,
transformaria aquele pandemônio num bistrô singelo, de toalhinhas xadrez , onde
se pudesse usufruir de boa comida em boa companhia e em silencio...
Bruna, misteriosamente, também desapareceu, tragada pelo
Buraco Negro que suga todos os garçons em hora de movimento. Pena... estávamos
sentindo falta de seu visual discreto.
Acabamos por pagar a conta direto com a moça emburrada do caixa, que não parou de
reclamar de tudo e de todos, enquanto lidava com nossos cartões.
A noite sem fim
finalmente chegou ao fim. Em casa, ainda zonza,
com os ouvidos doloridos pelo silencio ensurdecedor que normalmente
sucede àquela barulheira infernal, cheguei
à seguinte conclusão: não sou descolada.
Eu estava exausta. Muita informação . De fato, muita
informação.
PS: Faço neste momento um aparte. Gosto do Brasil e dos
sabores tropicais. Gosto de regionalismo. Portanto, a cozinha Paraense tem o
seu apogeu em Belém. A Nordestina no
Nordeste. Por que não podemos definir uma cozinha carioca com os ingredientes
que crescem perto de nós? Nada contra
usar ingredientes de outras partes do pais. Mas cansa ver a copia da copia da
copia de um original, há muito deturpado...
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